Falaram por quase todo um dia, e não disseram nada

Quarta-feira, 24 de janeiro de 2018: dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e seus militantes, foram “golpeados”, para alguns “goleados”, por um jogo de cartas marcadas que, em tratando-se de efeito prático, só fez incendiar e dar gás ao campo da esquerda brasileira. Se em Porto Alegre, o “placar” foi de 3x0, os canhotos demonstram força suficiente, com a situação de Lula como ponto de convergência, para impor uma goleada ainda maior, um 5x0 caso algum candidato progressista vença as eleições de outubro. Desde as eleições de 2002, foram quatro pleitos com vitórias petistas, numa forte demonstração de que nas urnas são quase imbatíveis. 

Imagem: "Garantia da Ordem" / Chargista Laerte Coutinho

Por mais de nove horas, os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Pulsen e Victor Luiz Laus, com algumas intervenções do procurador Regional da República Maurício Gerum, negaram todas as apelações da defesa do ex-presidente Lula, mantiveram a condenação expedida pelo juiz federal Sérgio Moro, e, no caso de Lula, ainda ampliaram a pena sob a alegação de que trata-se de um caso em que o réu ocupou o mais elevado cargo da República, a Presidência. 



Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)

O recurso da defesa de Lula, na ação que o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo contratos entre a construtora OAS e a Petrobrás, com o triplex supostamente servindo como barganha em troca de favorecimentos, foi reduzido a um número incontável de caracteres, páginas e folhas, onde indícios e delações foram igualados a provas, que faltaram em peso durante todo o processo. 


Durante toda a votação, o verdadeiro motivo pelo qual o ex-presidente está sendo condenado, muito pertinente e necessário, esteve às margens do espetáculo que já tinha traçado seu objetivo: ratificar a condenação de Lula, com aumento da pena, e pagar àqueles que colaboraram com delações e depoimentos pré-definidas – como denunciado pelo amigo de Sérgio Moro, Tacla Durán - , e conceberam este circo midiático do “Brasil passado a limpo”.


Imagem: Jornalistas Livres (@jornalistaslivres no Instagram e Twitter)

Enquanto desferia elogios ao seu amigo juiz Sérgio Moro, pelo trabalho e coragem em condenar o ex-presidente, mesmo que sem prova substancial, apenas pelo “domínio do fato” – quando o ocupante de cargo superior ao de supostos investigados tem de responder pelos atos cometidos por esses subordinados -, o desembargador-relator Gebran Neto recomendou - e foi acompanhado por seus dois colegas de turma - a manutenção da sentença de Moro e o aumento da pena do ex-presidente, que para a acusação “lamentavelmente se corrompeu”, de nove anos e seis meses para doze anos e um mês, à princípio em regime fechado, e reduziu as penas do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, de dez anos e oito meses para três anos e seis meses – como está preso desde setembro de 2016, certamente não cumprirá pena alguma -, e do executivo da empreiteira, Agenor Franklin Medeiros, de seis anos para um ano e dez meses. Em mais uma contradição, das muitas sobre este processo, os corruptores, ou em definição livre, aqueles que corrompem, tiveram redução de pena, enquanto o “corrupto”, aquele que se corrompeu ou foi corrompido, para a acusação o ex-presidente Lula, viu sua pena ser elevada. 



Imagem: "Incendiários" / Chargista Vitor Teixeira 

Ambos os empresários buscaram selar acordos de delação premiada sem menções ao ex-presidente Lula. Numa primeira tentativa, as delações foram recusadas pela Procuradoria-Geral, ainda sob o comando de Rodrigo Janot. Na segunda, apenas obtiveram sucesso com o Ministério Público Federal quando trouxeram Lula ao caso envolvendo o triplex, sem a necessidade de apresentação de provas substanciais de que o ex-presidente estivesse mesmo envolvido no esquema.

Enfim, Lula foi condenado em segunda instância, e até que os embargos declaratórios, únicos recursos possíveis de serem feitos pela defesa de Lula, por ter sido decisão unânime, sejam respondidos pelos desembargadores, o ex-presidente não corre risco de ser preso. E isso pode demorar alguns meses, se não houver pressa política/eleitoral do TRF-4, como no andamento célere dado ao julgamento de quarta (24).

A mídia, de maneira geral, repercutiu a condenação como sendo o último ato do circo mencionado neste artigo em seu 4° parágrafo. O “Brasil passado a limpo: eleições dos sonhos” , já que para eles, diminuíram as chances de o ex-presidente lançar sua candidatura, por ter implicações na Lei da Ficha Limpa, que não permite candidatos condenados em segunda instância, levou o mercado financeiro ao êxtase com recorde de pontuação na Bolsa de Valores de São Paulo, que fechou a quarta (24) em pouco mais de 82 mil pontos, e menor valor do dólar em oito meses, cotado em R$ 3,15. 


Imagem: Reprodução / Redes Sociais de Geraldo Alckmin
Os pré-candidatos à Presidência do campo dito de “centro” e todos aqueles que, de certa forma, estão ligados ao (des)governo, comemoraram a condenação de Lula, com discurso de que é “hora da mudança”, que “a Lei é para todos” ou que as “instituições estão funcionando”. No campo mais extremo à direita, escrever ou discursar parece ser exigente demais, por isso uma foto em pose que beira o ridículo foi compartilhada para satisfazer os seguidores do dito “mito”.


Imagem: Reprodução / Redes Sociais de Jair Bolsonaro

Falácias e atos que, de dois anos para cá, têm sido proferidas e utilizados, consecutivamente, por aqueles que comandam as tais instituições. São discursos inócuos e frágeis, principalmente quando fazemos uma pequena busca do passado, que, não necessariamente, são fatos de longa data.


Michel Temer não disse que as instituições estavam funcionando quando a PGR o denunciou duas vezes. Pelo contrário, foi ao ataque e abusou dos recursos, em especial financeiros, para impedir o avanço das denúncias.

O mesmo não foi dito quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o governador Geraldo Alckmin, foram descobertos como sendo “Botafogo” e “Santo”, consecutivamente, nas planilhas com a contabilidade de pagamentos de “Caixa 2” e propinas, da construtora Odebrecht. E nada, em nome da ética e moral ou que as “instituições estão funcionando”, foi proferido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quando veio à tona que ele tinha sido conselheiro-chefe do Conselho Administrativo da J&F, do empresário preso Joesley Batista, e que tinha ciência dos calotes financeiros com a União e esquemas de ilícitos entre a empresa e quadros políticos, principalmente, do MDB.



Imagem: Reprodução / Redes Sociais de João Dória

Ou o prefeito de São Paulo, João Dória, que, ainda no início de sua administração e com popularidade alta, pedia a condenação do ex-presidente colocando-se como o “anti-Lula”. Mas, como o discurso não “pegou” e sua popularidade entre os paulistanos sofreu quedas consideráveis, muito por conta de sua resistência ao cargo de prefeito e a tentativa de pleitear uma candidatura à Presidência, mudou de posicionamento e chegou a dizer que seria melhor ver Lula “condenado nas urnas”. Com a condenação pelos desembargadores, ele voltou atrás mais uma vez e comemorou a “corajosa decisão da Justiça”. Dória é o prefeito que tem feito lobby à frente da Prefeitura, que também usou como trampolim para lançar-se candidato ao Governo do Estado de São Paulo, e com um secretariado atolados em polêmicas, algumas incluindo corrupção – como acompanhado pelo “Semana do Gestor” (clique aqui). 


Outro que não hesitou em comemorar, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dono de um apartamento na Avenue Foch, em Paris, registrado em nome de um laranja, disse que o “jogo começa agora”, em entrevista ao Valor Econômico, e que o seu candidato, o apresentador Luciano Huck, “não desistiu” da candidatura.
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)
Ainda na quarta (24), em um ato na Praça da República, lideranças do PT explicaram como darão as tratativas daqui até as eleições em outubro. Para milhares de defensores da democracia que o ouviam na Praça, Lula garantiu a presença no pleito, com o anúncio de sua candidatura realizada, oficialmente, na quinta (25), na sede da CUT, no Brás. 

A defesa do ex-presidente garantiu que haverá recursos em instâncias superiores como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Como a candidatura de Lula implica, sim, na Lei da Ficha Limpa, o PT deve inscrevê-lo no dia 15 de agosto, última data para inscrições de candidatos pelo TSE.

A ideia é retardar o julgamento do TSE sobre a candidatura e as implicações dela com a Lei da Ficha Limpa, e usar disto para angariar simpatizantes, já em meio a campanha eleitoral. 


Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)

Por fim, a decisão de quarta (24) em condenar Lula não teve nenhum efeito prático, senão servido apenas para esclarecer quem atua nos bastidores do “circo”, unir o campo progressista do País e organizar uma grande “micareta” pré-carnavalesca de esquerda, com a imposição de uma data para o julgamento. A quarta (24) foi dia de renovar a esperança e o espírito democrático, e alertar que haverá luta. 


E a propósito: criticar o monopólio midiático e compreender seu poder, principalmente sobre os recentes acontecimentos, não é defender a censura ou afim. Mas, sim, um ato democrático. 


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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4 comments so far,Add yours

  1. Texto sensacional Claudio. Como disse em comentário no texto anterior, não tenho como afirmar cabalmente a inocência de Lula. Mas o que posso afirmar categoricamente, é que uma sentença sem provas e baseada no "domínio do fato" (se é que pensaram nessa teoria), cheira-me um "passa fora da nossa área" mesmo no que tange a POLÍTICA, isso é uma sentença FAJUTA, não baseada juridicamente.

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    1. Sim, Adriano. Recuperaram o "domínio do fato" do ministro Joaquim Barbosa, à época do julgamento da Ação Penal 470, o tal "Mensalão". Para os especuladores, a ressurreição do "domínio" seria sinal, forte, de que o ex-ministro estaria voltando com olho no Planalto.

      Indiscutível e conhecidamente, Lula é quase que imbatível nas urnas. E a semana, especialmente a quarta-feira, validou essa análise.

      Estamos aqui, acompanhando de perto para trazer, publicar e discutir. Por isso, agradeço pelo comentário e convoco "geral" para questionar, debater e compartilhar o que você,leitor, está achando de tudo isso.

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    2. Agora, essa tese aí é totalmente arcaica, só reforça os tantos retrocessos que temos visto no Brasil. E outra, se há "fato", deveriam haver as tais provas né.

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    3. E mais, a tese "domínio do fato" só caberia, ainda que com muita fragilidade, na ação que acusa o ex-presidente de ser "chefe de organização criminosa", que mesmo citada pelo desembargador-revisor Leandro Paulsen, na quarta-feira,é um processo que está no STF. Ou seja, outra ação, sob outra jurisdição.

      Tanto na quarta-feira, com a manutenção da condenação, como ontem, com a retirada do passaporte de Lula, o Judiciário tem feito uma "salada de frutas" - indigesta - com os processos relacionados ao ex-presidente, numa tentativa, na minha opinião, manifesta para impedir a candidatura do petista.

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