Machado de Assis denuncia vício na sociedade das aranhas, e o JC o vício da mídia e do (des)governo pelo tal “centro”


O século XX mostrava-se próximo e ao mesmo tempo distante quando Machado de Assis, após o lançamento de sua obra magistral “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 1881, resolveu soltar os seus “Papéis Avulsos” com uma série de contos, já em 1882. E lá está a “Sereníssima República”, uma sociedade imaginária formada por aranhas, que, levando em conta o momento histórico – última década do Brasil Império, que seria substituído pelo republicanismo de Deodoro -, fez certo barulho, mas foi rapidamente tratada como devaneio do autor, que não media esforços em esconder seu espírito republicano. 
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No texto, Machado descreve as aptidões dos aracnídeos, lança questionamentos e provoca um dos principais momentos daquela que viria com o tempo: a República e a escolha de seus representantes. No enredo, aranhas são convidadas a compor uma sociedade que, por decisão unilateral de Assis, teria como sistema o republicanismo veneziano, incluindo a importação do mecanismo definido por ele como “Saco e Bolas”, que determina o escolhido para governar e “exclui os desvarios da paixão, os desazos da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça”.

O “saco” onde mantinham as “bolas” com os nomes dos candidatos, teve seu tamanho alterado por vezes. No aumento de uma polegada aqui e na redução de outra ali, o objetivo era retirar a “bola” que correspondesse ao candidato “correto”. Como tratava-se de uma sociedade recém-instaurada, e de aranhas, não havia como saber quem seria o “candidato correto”. Poderia ser qualquer um daqueles que, como descrito por Machado,  acompanhava de perto e interferia diretamente em todas as escolhas feitas pelo “oficial de extrações”, que era o encarregado de retirar uma das “bolas” após o sacolejo do “saco”. Os candidatos, com exceção daquele que tinha a bola com seu nome retirada, sempre contestavam a decisão, mantendo aquele momento, o de definição, como um círculo vicioso. Não havia acordo sobre o nome de quem governaria aquela sociedade de aranhas. Sempre que um era escolhido, aparecia outro recomendando retirar uma das bolas novamente.

 A “Sereníssima República” encerra indefinida, sem saber quem iria governá-la e no aguardo de “Ulisses”, para Machado, a “Sapiência”, que em definição é a sabedoria.

No lado que não corresponde às aranhas, o Humano, e na República pouco serena que tem sido a Federativa do Brasil, o “saco” está sendo manipulado a bel-prazer de uma minoria política, financeira e jurídica, há ao menos dois anos. E a maioria da população brasileira é quem vem sentindo as consequências desta manipulação, com o fim de políticas afirmativas e a imposição de um programa obsoleto, que em mesmo no “saco” manipulado das aranhas de Machado sairia vencedor.

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E que programa é esse? Uma espécie de neoliberalismo fundado no discurso falacioso de que deve-se enxugar a Máquina Pública, quando não perde a oportunidade de agir como sanguessuga desta mesma Máquina, e numa ideia de liberdade fantasiosa.

No Brasil, este projeto perdeu força considerável ainda nos primeiros anos do século, inclusive entre capitalistas que compreenderam os perigos financeiros do acúmulo excessivo de riquezas, com reflexo no mercado enquanto demanda. O acúmulo de riquezas fere, diretamente, o princípio capitalista, industrial, da oferta e procura.

Em nome de uma salvação fiscal para o passado de administrações ditas populistas, que a mídia tradicional não cansa de execrar, mas custa valorizar os muitos ganhos do período, o neoliberalismo à tupiniquim está sendo comercializado, em ano eleitoral, como apenas “centro”, quando, conhecidamente, a nomenclatura correta é “centro-direita”, por também ceder a um lado: o dos mais ricos. 
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O eleitorado, cansado com toda a patifaria em que tornou-se a política, tende a buscar um nome que não esteja dentro dos polos, ou seja, um de “centro”, e a mídia tradicional tem colocado um cardápio com seus candidatos, que defendem pautas de interesses mais empresariais do que socais, como sendo de “centro”, quando não há “centro” na política partidária-ideológica em todo o mundo, muito menos no Brasil.

O interesse da mídia tradicional nas próximas eleições presidenciais é grande, e tem a feito correr com campanhas - que aparentam ser de cunho social - com o objetivo de intensificar seus projetos políticos. Com perguntas como “Que Brasil você quer para o futuro”, da TV Globo; “tags” como “#PartiuPraCima”, da Rádio Jovem Pan, ou “A Reconstrução do Brasil”, pelo jornal O Estado de S. Paulo, a ideia é legitimar o seu posicionamento político, comentários e análises sobre propostas de governos e candidatos, através da participação popular, que só terá visibilidade caso partilhe da linha editorial, que no caso desses três veículos é a mesma, assim como outros que ainda não lançaram campanhas semelhantes. Simples ao ponto de aparentar ser uma teoria da conspiração. Antes fosse.

O trabalho incansável em manter de pé um sistema que privilegia poucos enquanto mina a esperança de muitos, passa também por não discutir os aspectos cruéis deste modelo político, com consequências em indicadores como, por exemplo, de desemprego e desigualdade.
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Há alguns dias, a ONG britânica Oxfam apresentou estudo chamado “Recompensem o trabalho, não a riqueza” com números sobre a desigualdade no mundo. Segundo o relatório, 82% de tudo o que foi produzido em 2017 ficou nas mãos do 1% mais rico. Na parte que compete ao Brasil, os números são ainda piores que os divulgados por ela em setembro do ano passado (clique!). De acordo com a ONG, cinco homens detêm a mesma riqueza que pouco mais da metade mais pobre de brasileiros – ano passado ela dizia que seis brasileiros detinham a mesma fortuna que pouco mais de cem milhões de brasileiros. A ONG diz ainda que, em 2017, o País que viu os mais pobres ficarem sem investimentos em áreas sensíveis, por conta da Emenda 95 do “Teto de Gastos”, e sem direitos trabalhistas, com a “contrarreforma”, ganhou doze novos bilionários – o grupo restrito é formado, agora, por 43 pessoas. 

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Não satisfeito com o descalabro social do País, o (des)governo Temer promete um ano ainda mais satisfatório aos rentistas e os mais ricos. Ele está usando de todas as formas para emplacar a contrarreforma da Previdência, que promete ditar os trabalhos no Congresso já no retorno do recesso parlamentar em meados de fevereiro. Na mais recente das tratativas pela contrarreforma, Temer sujeitou-se a participar do programas de Amaury Junior, na BandSilvio Santos e Ratinhono SBT, para desferir falácias sobre a proposta de intervenção na Previdência Social.
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Ainda recentemente, o ato falho do secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, Alberto Beltrame, que, sem receio, disse que o (des)governo pretende aumentar a idade mínima para o Benefício de Prestação Continuada - BPC, dada pelo INSS a idosos que não conseguiram contribuir o tempo mínimo para a aposentadoria, de 65 anos para “em torno de 68 anos”, mostra a verdadeira razão desta corrida desenfreada pela aprovação. Tudo pelo reinado dos bancos e seus pacotes de previdência privada.

Hoje, o BPC é destinado a idosos que alcançaram 65 anos, não contribuíram o mínimo necessário pelo INSS, e tem renda per capita de 25% do salário mínimo – com o salário mínimo de Temer, R$ 954,00, o valor equivalente ao percentual é de R$ 238,50. 

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Outra demonstração de desespero do (des)governo, a divulgação do déficit da Previdência Social de 2017, só ludibriou a mídia vendida por algumas cotas de publicidade. De acordo com a Secretaria de Previdência Social do Ministério da Fazenda, chefiada por Marcelo Caetano, aquele que disse que as “mulheres custam mais à Previdência porque vivem mais”, o rombo da Previdência bateu R$ 268,798 bilhões no ano passado. Foram R$ 182,5 bilhões do regime INSS, e R$ 86,3 bilhões no RPPS, regime previdenciário de servidores da União. Especialistas em economia comentam que o (des)governo usou-se de uma tática antiga no meio contábil: juntou tudo para dar robustez ao valor e ao discurso.

O (des)governo trabalha para colocar a contrarreforma em pauta no dia 19/02, na volta do recesso parlamentar. Para a aprovação da contrarreforma, o (des)governo precisa de, no mínimo, 308 votos favoráveis. E para a manutenção dela e de outras ações deste (des)governo, a partir de 2019, os nomes já estão à mesa: Rodrigo Maia (DEM-RJ), Henrique Meirelles (PSD-SP), Geraldo Alckmin (PSDB-SP), ou qualquer outro candidato à Presidência considerado “centro” pela mídia. Atenteis ao “centro”, amigos! 

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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