Talvez Chico Buarque não esteja sendo irônico em “As Caravanas” e a
culpa seja mesmo do Sol
O circo, montado pela PGR e pelo STF, rendeu mídia e ameaça
o presidente-nosferatu com uma possível terceira denúncia de autoria da Procuradoria-Geral da República – “flechada” em tempos de Rodrigo Janot. Neste
caso, por estarmos na iminência das eleições de outubro, nem repasses de
bilionárias emendas parlamentares ou cargos em ministérios fariam com que
deputados se desgastassem arquivando mais uma denúncia contra Temer. Apesar de a
soltura dos amigos, se a mídia – principalmente a emissora de tevê que “fala
com 100 milhões de uns” – insistir em uma denúncia pela Procuradoria-Geral da
República, Temer será afastado e substituído pelo presidente da Câmara e pré-candidato
à Presidência da República pelo Democratas,
Rodrigo Maia (DEM-RJ) (clique!) .
Para o cronista, o aprisionamento, independente de este caso tratar-se de um político idoso e doente, serve apenas para satisfazer o fetiche insaciável de alguns muitos nos tempos atuais que pedem por prisões indiscriminadas. E isso não parece-me bom.
O Brasil acostumado com elogios simpáticos de ser terra
acolhedora, de ter boas pessoas, está observando tudo mudar, melhor, descambar.
Os tempos, infelizmente, tornaram nossa gente um tanto raivosa e odiosa.
Semanalmente, parte considerável do País clama por ao menos uma “penca” de
prisões e, por que não, mortes. Por aqui, a sede por Justiça já não sobrepõe-se
mais e encontra refúgio apenas
na “Justissa” (clique!).
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter) |
Na última semana, o presidente-nosferatu viu, ao menos, dez
amigos íntimos serem presos apenas para prestar depoimentos à Polícia Federal
em inquérito que também investiga Temer e a edição do Decreto dos Portos,
baixado em maio do ano passado. Apesar de as fortes evidências encontradas em
escutas telefônicas e documentos recolhidos nos escritórios dos suspeitos, a
prisão temporária foi utilizada como meio de burlar o rito natural do Estado
Democrático de Direito. Como não podem mais conduzir coercitivamente suspeitos
e investigados sem justificativa, agora, a Justiça expede prisões temporárias
para colher depoimentos.
A ordem de prisão foi dada pela atual procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, e acatada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso,
responsável pelo andamento da investigação na Suprema Corte. O espetáculo das
prisões, que iniciou na quinta (29), e rendeu manchetes do tipo “Amigos de
Temer são presos”, teve seu ato de encerramento no sábado (31), quando a mesma
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou soltar todos, atravessando
mais uma vez o trabalho dos mancheteiros de plantão que, prontamente e sem
muito esforço, redigiram “Amigos de Temer são soltos”.
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter) |
Ainda na ordem de prisões, o deputado cassado Paulo Maluf
(PP-SP), que aproxima-se dos 90 anos – 86 para ser exato -, após ter passado
pouco mais de três meses preso em Brasília por crimes cometidos ainda quando
fora prefeito de São Paulo, conseguiu que o STF, através do ministro Dias
Toffoli, convertesse o regime de cumprimento de pena, de fechada para
domiciliar, e voltou para sua casa, no mesmo bairro do prefeito João Dória, no
Jardim Europa, Zona Oeste da cidade de São Paulo. Uma bela mansão, bem diferente
da minúscula cela do Complexo Penitenciário da Papuda, o esperava na
sexta-feira santa.
No despacho, o ministro Dias Toffoli alegou que deputado
cassado passa por “graves problemas” de saúde. E, sim, passa mesmo. O deputado
cassado sofre de câncer e diabetes, além da idade avançada.
Para o cronista, o aprisionamento, independente de este caso tratar-se de um político idoso e doente, serve apenas para satisfazer o fetiche insaciável de alguns muitos nos tempos atuais que pedem por prisões indiscriminadas. E isso não parece-me bom.
Vale lembrar-se de Rafael Braga, preso
por porte de “Pinho Sol” durante as manifestações de 2013 e condenado por
tráfico de drogas - com míseras gramas de maconha e cocaína (clique!), talvez
forjadas por policiais. O jovem carioca está preso desde 2016 e contraiu
tuberculose no presídio. Em setembro do ano passado, a defesa, depois e muita
luta, conseguiu liberá-lo para seguir o tratamento contra a doença em casa,
onde ficou até 18 de fevereiro.
Assim como Rafael Braga e, por que não, Paulo Maluf (PP-SP),
há muitos outros casos parecidos. Outros muitos prisioneiros, sob a tutela do
Estado, sofrem e, até mesmo, morrem de doenças silenciosas e lentas, como
tuberculose e HIV, enquanto parcela da sociedade brasileira vangloria-se de
assistir a espetacularização das prisões, geralmente acompanhadas de perto pela
mídia, sem a percepção de que também o ato de prisão é uma “cortina de fumaça”.
Para Rafael Braga e outros presos, o caminho é o ativismo
contra as injustiças e por investigação precisa e sem amarras, como a
criminalização de maus agentes de segurança e da justiça. Para Paulo Maluf
(PP-SP) e outros criminosos que causam danos, talvez irreparáveis, por meio de
esquemas de corrupção, a simpatia à liberdade deles. É preferível vê-los livres
pagando com a cassação do mandato e o ressarcimento através da perda de bens
financeiros que valham o mesmo que as dívidas, do que “presos”
trajando terno e viajando de jatinho para prestar depoimento, como deputado
cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ), ou humilhados com os pés
algemados como o ex-governador Sergio Cabral (MDB-RJ).
No caso de Rafael Braga, hoje, a maioria considera o
ativismo por justiça como sendo ideológico promovido por “esquerdopatas que
defendem bandidos”. Já em relação à classe política, os acima citados – que
representam apenas parte de um universo ainda maior - continuam alguns com
cargo público, outros não, porém todos com bens financeiros e níveis sociais
mantidos. Em tratando-se de efeito prático, nada tem mudado para melhor,
enquanto se faz do aprisionamento um show sórdido promovido
pela atual “Justissa” (clique!). Isso sem mencionar aqueles que não chegam,
nem mesmo, às fases de condenação por ter seus inquéritos arquivados, ou pior,
prescritos, que é quando as denúncias caducam pela morosidade da Justiça.
“Aqui se prende, aqui
se mata”
O show sórdido vai além do aprisionamento e, infelizmente,
também é alimentado por atentados contra a vida e por mortes. Nos últimos dias,
o atentado contra a vida do ex-presidente Lula provocado por pessoas que, sim,
o querem morto por puro ódio e rancor, dá mostra do nível de descontrole
estabelecido no País. Outro ponto de desmando é o “laboratório”
intervencionista, o Rio de Janeiro, que assistiu chacinas, mortes de policiais
e civis baleados e mortos na sacada de casa. Desde a assinatura do decreto em
que baseia-se a intervenção de Temer os aspectos eleitoreiros desta são
evidentes.
O presidente-nosferatu não conseguiu emplacar a
contrarreforma da Previdência e recorreu à Intervenção que tem surtido
resultado inverso: o clima é de ainda mais descontrole na Segurança Pública do
Rio após a chegada dos militares.
Os últimos quinze dias foram tomados por uma escalada de
violência. Somente na comunidade da Rocinha, o número de mortos chega a 12 em
oito dias. Destes doze, oito foram vítimas fatais de uma chacina envolvendo
policiais militares. Já sob intervenção, o Rio registrou 113 homicídios no
primeiro mês do comando militar sobre a Segurança Pública. Lembremo-nos de
Marielle Franco e Anderson Gomes, cruelmente executados já no “Rio dos
militares” e que, até o momento, segue sem muitas explicações.
Policiais também seguem sendo assassinados. Somente no dia
21 de março, três policiais foram mortos em um intervalo de 24 horas. Desde o
início do ano, a força policial carioca perdeu 30 agentes mortos.
Enquanto isso, eles pedem que tenhamos paciência com a
intervenção puramente eleitoreira de Temer, falam que o atentado contra o
ex-presidente Lula foi armação, e que as vítimas de prisão e mortes no Brasil
compõem a ordem natural das coisas. Está bem. Talvez Chico Buarque não esteja
sendo irônico e gentil em “As Caravanas”,
e a culpa seja mesmo do Sol.
Vídeo: Reprodução / Canal "Biscoito Fino", no Youtube;
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